terça-feira, 26 de agosto de 2014

JURISPRUDÊNCIA - STJ: Terceira Turma reafirma entendimento anterior sobre a possibilidade de aplicação da Guarda Compartilhada sem consenso.

NOVA JURISPRUDÊNCIA DO STJ: Guarda Compartilhada com litígio. Decisão reafirma entendimento anterior da Terceira Turma do STJ.

RECURSO ESPECIAL No 1.428.596 - RS (2013/0376172-9)

EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE.

1. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dospais.
2. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial.
3. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso.
4. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole.
5. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta.
6. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta - sempre que possível - como sua efetiva expressão.
7. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 03 de junho de 2014(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial interposto por J C G , com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/RS.
Ação: de divórcio litigioso c/c pedido de guarda compartilhada e alimentos, ajuizada pela recorrente em desfavor de C G . Decisão: indeferiu o pedido de guarda compartilhada, estabeleceu as visitas em um dia por semana para o pai, e fixou os alimentos provisionais em dois salários mínimos.

Acórdão: o TJ/RS apreciando o duplo agravo de instrumento interpostos por ambas as partes, deu-lhes parcial provimento em acórdão assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. REGIME DE VISITAS. ALIMENTOS PROVISÓRIO. PEDIDO DE MAJORAÇÃO. FILHO MENOR. BINÔMIO POSSIBILIDADE-NECESSIDADE. READEQUAÇÃO DO QUANTUM. DESCUMPRIMENTO DO ART. 526 DO CPC. PROVA INTEMPESTIVIDADE. INOCORRÊNCIA. 1. Embora seja obrigatório o atendimento da regra do art. 526 do CPC, o descumprimento, para impedir o exame do recurso, deve ser não apenas arguido, mas devidamente comprovado pela parte recorrida. 2. A regulamentação de visitas materializa o direito do filho de conviver com o genitor não guardião, assegurando o desenvolvimento de um vínculo afetivo saudável entre ambos, mas sem afetar as rotinas de vida do infante. 3. Deve ser resguardado sempre o melhor interesse do menor, que está acima da conveniência dos genitores. 4. A obrigação de prover o sustento da prole comum é de ambos os genitores, cada qual devendo concorrer na medida da própria disponibilidade. 5. Mostra-se adequado estabelecer pequeno aumento no valor dos alimentos provisórios quando se percebe que o filho necessita de maior amparo paterno e a prova coligida evidencia que o genitor tem condições de atender tal demanda pois é empresário. Inteligência do art. 1.699 do CCB e Conclusão n do CETJRGS. 6. A fixação dos alimentos deve observar o binômio possibilidade e necessidade, isto é, atender as necessidades do filho, mas dentro das possibilidades do alimentante. 7. Tratando-se de uma fixação ainda provisória, o valor poderá ser revisto a qualquer tempo, desde eu venham aos autos elementos de convicção que justifiquem a revisão. Recursos providos em parte.


Embargos de Declaração: interpostos pelo recorrente, foram rejeitados.
Recurso especial: alega violação do artigo 1.584, § 2o do CC-02, bem como divergência jurisprudencial.

Sustenta que a previa vedação da apreciação do pedido de guarda compartilhada, ante o reconhecimento de ausência de consenso entre os genitores sobre sua implementação, fere seu direito de participar em igualdade de condições da vida de seu filho e, o do menor, de ter a máxima relação possível com ambos os genitores.

Aponta ainda, divergência jurisprudencial entre o acórdão do Tribunal de origem e julgado do STJ.

Às fls. 344/346/317, parecer do Ministério Público Federal, de lavra do Subprocurador-Geral da República, João Pedro de Sabóia Bandeira de Mello Filho, pelo não provimento do recurso.

À fl. 348, decisão unipessoal desta Relatoria determinando a reautuação do agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade do recurso especial.

É o relatório.


VOTO

Cinge-se a controvérsia em dizer se é possível se rejeitar, de plano, pedido de guarda compartilhada, apenas sob o fundamento de que não há consenso entre os genitores quanto a sua implementação.

1. Lineamentos Gerais.

01. Importa inicialmente declinar, para a melhor visualização do embate sob exame, que o menor, filho das partes, tem hoje quase 06 (seis) anos de idade e residem, todos, na cidade de Bento Gonçalves-RS.

02. Atualmente, o pai tem o direito de apanhar o filho aos finais de semana, alternadamente, desde sexta feira, às 17 h no colégio, devolvendo à residência materna no domingo às 20h e, uma vez por semana – às quartas-feiras–, buscar a criança às 17h no colégio e deixá-la no mesmo local, às quintas-feiras, às 13h, alternando-se os genitores no cuidado do filho nos feriados, natal, final de ano, páscoa e aniversário da criança.

03. A vedação do TJ/RS, ao pleito de fixação da guarda compartilhada e de seus termos, foi assim decidida:
Inicio examinando a questão das visitas a adianto que não assiste razão ao recorrente com relação ao pleito da guarda compartilhada.
Lembro que para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para o filho é imprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem conflitos.
No caso em tela, onde há litígio entre os genitores não se mostra possível o deferimento da guarda compartilhada. (fl. 114, e-STJ)


2. Da possibilidade da guarda compartilhada na ausência de consenso entre os genitores.

04. Esse debate não é inédito nesta Turma, mas volta à tela ante a ausência de pacificação da matéria no âmbito do STJ, tendo em vista a não manifestação da Quarta Turma sobre a matéria.

05. Frisa-se, aqui, que a insurgência, tal qual declinada no recurso especial e apreciada pelo Tribunal de origem, tangencia o óbice da Súmula 7/STJ, pois não se trata de dizer se existem condições para a implementação da guarda compartilhada na hipótese, e sim, discutir a vedação à apreciação da existência dessas condições, tão somente por ausência de consenso entre as partes quanto à sua implementação.

06. Nessa senda, para evitar desnecessária tautologia, reproduzo o excerto correspondente do acórdão já construído por esta Turma, quando do julgamento do REsp 1.251.000/MG, de minha Relatoria, DJe 31/08/2011.

A guarda compartilhada – instituto introduzido na legislação brasileira apenas em 2008 –, pela sua novidade e pela complexidade que traz em sua aplicação, tem gerado inúmeras indagações, sendo a necessidade de consenso uma das mais instigantes, opondo doutrinadores que versam de maneira diversa sobre o tema e também a jurisprudência, ainda não pacificada quanto à matéria.

Como já tenho afirmado em outros julgamentos, os direitos assegurados aos pais em relação aos seus filhos são na verdade outorgas legais que têm por objetivo a proteção à criança e ao adolescente e são limitados, em sua extensão, ao melhor interesse do menor.

Corrobora o raciocínio a afirmação de Tânia da Silva Pereira e Natália Soares Franco no sentido de que:

A vulnerabilidade dos filhos deve ser atendida no intuito de protegê-los.

Afastada a ideia de um direito potestativo, o poder familiar representa, antes de tudo, um conjunto de responsabilidades, sem afastar os direitos pertinentes.

Assim é que, atender o melhor interesse dos filhos está muito além dos ditames legais quanto ao estrito exercício do poder familiar. (Delgado, Mário e Coltro, Matia – Coordenadores. Guarda Compartilhada, Rio de Janeiro: Forense, 2009, in: O Direito Fundamental à Convivência Familiar e a Guarda Compartilhada - Pereira, Tânia da Silva e Franco, Natália Soares, pag. 357).

Foi na busca dessa plena proteção do melhor interesse dos filhos que se positivou, no Direito nacional, a guarda compartilhada, pois esta reflete, com muitomais acuidade, a realidade da organização social atual, em que cada vez mais ficam apenas na lembrança as rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais.

Sob a égide dessa antiga estratificação social, cunhou-se a tese de que o melhor interesse da criança, no mais das vezes, traduzia-se pelo deferimento da guarda à mãe, no caso de separação.

Com base nessa presunção, já no ano de 1839, o Parlamento Britânico aprovou o chamado Custody of Infants Act, que oficializava a tese de que seria melhor para as crianças, com idade inferior a 07 anos, ficarem com a mãe, no caso de separação dos pais.

3.1. Da guarda compartilhada como o ideal de relacionamento
parental, pós-separação.

Ultrapassando essa visão estanque das relações de parentalidade, o art. 1.583, § 1o, in fine, do CC-02 definiu a guarda compartilhada como sendo “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”.

Com essa definição, deu-se ênfase ao exercício do Poder Familiar de forma conjunta, mesmo após o fim do casamento ou da união estável, porque, embora cediço que a separação ou divórcio não fragilizavam, legalmente, o exercício do Poder Familiar, na prática, a guarda unilateral se incumbia dessa tarefa.

A errônea consciência coletiva que confundia guarda com o Poder Familiar, atribuindo a quem detinha a guarda o exercício uno do Poder Familiar, teve como consequência mais visível o fenômeno denominado Sunday dads – pais de domingo.

Nessa circunstância, o genitor que não detém a guarda – usualmente o pai – tende a não exercer os demais atributos do Poder Familiar, distanciando-se de sua prole e privando-a de importante referencial para a sua formação.

Com a custódia física concentrada nas mãos de apenas um dos pais e a convivência do outro com a prole, apenas quinzenalmente, ou mesmo semanalmente, o ex-cônjuge que não detém a guarda, quando muito, limita-se a um exercício de fiscalização frouxo e, de regra, inócuo.

Os filhos da separação e do divórcio foram, e ainda continuam sendo, no mais das vezes, órfãos de pai (ou mãe) vivo (a), onde até mesmo o termo estabelecido para os dias de convívio – visita – demonstra o distanciamento sistemático daquele que não detinha, ou detém, a guarda.

A guarda compartilhada, apesar de tecnicamente não se traduzir em uma sensível alteração legal, dado que a interpretação sistemática das disposições relativas à guarda dos filhos já possibilitaria a sua aplicação, teve a virtude, para além de fixar o Poder Familiar de forma conjunta como regra, extirpar o ranço cultural que ainda informava a criação dos filhos no pós-casamento ou pós-união estável.

A partir do momento em que essa visão social se alterou para comportar, e também exigir, uma participação paterna mais ativa na criação dos filhos, geraram-se condições para que a nova disposição legal, mais consentânea com a realidade social de igualdade entre os gêneros, reavivasse o que está preconizado quanto a inalterabilidade das relações entre pais e filhos, após a separação, divórcio ou dissolução da união estável, prevista no art. 1.632 do CC-02.

Vem dessa linha de ideias a nova métrica para as relações de parentalidade pós-casamentos ou uniões estáveis: o Poder Familiar, também nessas circunstâncias, deve ser exercido, nos limites de sua possibilidade, por ambos os genitores.

Infere-se dessa premissa a primazia da guarda compartilhada sobre a unilateral.

Nesse sentido a afirmação de Belmiro Pedro Welter:
(...) com a adoção da principiologia constitucional, a regra é de que se presume, juris tantum , a guarda compartilhada, em vista da necessidade da convivência e do compartilhamento do filho com o pai e a mãe. É dizer, como a regra é a guarda compartilhada, a guarda unilateral passa a ser a exceção
(...) (op. cit. p.64).
Conclui-se, assim, que a guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial.

3.2 – Da necessidade de consenso para a atribuição da guarda compartilhada.

Contudo, a fixação do ideal não solve a questão, mormente quando a implementação do comando legal pressupõe ações proativas dos atores envolvidos, principalmente dos pais, ou ainda, quando se discute algum pré-requisito necessário à consecução da nova forma de pensar ou agir.

A inflexão em um determinado comportamento exige cautela, tanto por se estar abandonando padrões já testados, que embora tenham vícios, são conhecidos, como também por exigir fórmulas inéditas, não avalizadas pelo tempo, nem tampouco aferidas quanto à sua eficácia.

O consenso, como pré-requisito para a implementação da guarda compartilhada, é um dos elementos que se encontram em zona gris, pois o desejável é que ambos os genitores se empenhem na consecução dessa nova forma de se ver as relações entre pais e filhos, pós-separação.

Esse esforço é muito importante para o sucesso da guarda compartilhada, pois necessitam, os ex-cônjuges, tratarem desde as linhas mestras da educação e cuidado dos filhos comuns até pequenos problemas do cotidiano da prole.

Contudo, a separação ou o divórcio usualmente coincidem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, fatores que, por óbvio, conspiram para apagar qualquer rastro de consensualidade entre o casal.

Com base nessa, aparente, incongruência, muitos autores e mesmo algumas decisões judiciais alçam o consenso à condição de pressuposto sine qua non para a guarda compartilhada.

No entanto, esse posicionamento merece avaliação ponderada.

Não se pode perder de foco o melhor interesse do menor – princípio que norteia as relações envolvendo os filhos –, nem tampouco a sua aplicação à tese de que a guarda compartilhada deve ser a regra.

Sob esse prisma, é questionável a afirmação de que a litigiosidade entre os pais impede a fixação da guarda compartilhada, porquanto se ignora toda a estruturação teórica, prática e legal que apontam para a adoção da guarda
compartilhada como regra.

A conclusão de inviabilidade da guarda compartilhada por ausência de consenso faz prevalecer o exercício de uma potestade inexistente. E diz-se inexistente, porque, como afirmado antes, o Poder Familiar existe para a proteção da prole, e pelos interesses dessa é exercido, não podendo, assim, ser usado para contrariar esses mesmos interesses.

Na verdade, exigir-se consenso para a guarda compartilhada dá foco distorcido à problemática, pois se centra na existência de litígio e se ignora a busca do melhor interesse do menor.

Para a litigiosidade entre os pais, é preciso se buscar soluções. Novas soluções – porque novo o problema –, desde que não inviabilizem o instituto da guarda compartilhada, nem deem a um dos genitores – normalmente à mãe, in casu, ao pai – poderes de vetar a realização do melhor interesse do menor.

Waldir Gisard Filho sustenta tese similar, ao afirmar que:
Não é o litígio que impede a guarda compartilhada, mas o empenho em litigar, que corrói gradativa e impiedosamente a possibilidade de diálogo e que deve ser impedida, pois diante dele 'nenhuma modalidade de guarda será adequada ou conveniente. (Grisard Filho, Waldir. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 4a ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2009, pag. 205).

Como dito anteriormente, o influxo em uma linha de pensamento importa na adoção de novo paradigma e esse, na hipótese sob discussão, é desvelado quando se conjuga um projeto interdisciplinar de construção dos novos papéis parentais com os comandos legais aplicáveis à espécie.

Com a ação interdisciplinar, prevista no art. 1.584, § 3o, do CC-02, não se busca extirpar as diferenças existentes entre o antigo casal, mas sim, evitar impasses que inviabilizem a guarda compartilhada.

Busca-se, por essa ação interdisciplinar primeiro, fecundar o diálogo produtivo entre os pais; segundo, evidenciar as vantagens, para os filhos, da guarda compartilhada, terceiro: construir as linhas mestras para o exercício do Poder Familiar de forma conjunta ou, quiçá, estabelecer-se, de pronto, as regras
básicas dessa nova convivência.

Por certo, esse procedimento preliminar demandará intenso trabalho de todos os envolvidos para evitar a frustração do intento perseguido, cabendo ao Estado-Juiz agir na função de verdadeiro mediador familiar, interdisciplinar, como propõe Giselle Câmara Groeninga:

É preciso alertar que as mudanças – defendidas com a guarda compartilhada – correm o risco de, muitas vezes, ter o destino em serem 'mudanças para não mudar'. A guarda compartilhada deve ser acompanhada de modificações no tratamento que o sistema dispensa aos jurisdicionados, e na possibilidade de elaboração das separações com o planejamento da rotina futura da família transformada. Como apontado acima, a mediação familiar interdisciplinar pode ser via privilegiada para o estabelecimento da comunicação. Esta é uma combinação que tem dado resultado em diversos países. E previsto está o recurso aos profissionais técnicos e equipe interdisciplinar. (op. cit. in: A efetividade do poder familiar, p. 163)

No entanto, mesmo diante de todo esse trabalho, não se pode descartar a
possibilidade de frustração na implementação da guarda compartilhada, de forma harmoniosa, pela intransigência de um ou de ambos os pais.

Porém, ainda assim, ela deverá ser o procedimento primariamente perseguido, mesmo que demande a imposição estatal no seu estabelecimento, como se lê no § 2o do referido artigo de lei: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”.

A drástica fórmula de imposição judicial das atribuições de cada um dos pais e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta.

Calha citar aqui a reflexão de Rolf Madaleno, que embora defenda a inviabilidade da guarda compartilhada em caso de “inconciliáveis desavenças entre os pais”, mitiga sua afirmação argumentando que:

Talvez tenhamos que começar a olhar com mais atenção para os países de sangue frio, nos quais a guarda compartilhada é imposta independentemente da resistência ou contrariedade da concordância do outro genitor, no comum das vezes representado pela mãe, que vê no pai inimigo e coloca toda sorte de obstáculos para o estabelecimento de uma custódia repartida da prole. A continuidade do convívio da criança com ambos os pais é indispensável para o saudável desenvolvimento psicoemocional da criança, constituindo-se a guarda responsável em um direito fundamental dos filhos menores e incapazes, que não pode ficar ao livre , insano e injustificado arbítrio de pais disfuncionais. A súbita e indesejada perda do convívio com os filhos não pode depender exclusivamente da decisão ou do conforto psicológico do genitor guardião, deslembrado-se que qualquer modalidade de guarda tem como escopo o interesse dos filhos e não o conforto ou a satisfação de um dos pias que fica com este poderoso poder de veto.

Talvez seja o momento de se recolher os bons exemplos de uma guarda compartilhada compulsória, para que se comece a vencer obstáculos e resistências abusivas, muito próprias de alguma preconceituosa pobreza mental e moral, e ao impor judicialmente a custódia compartida, talvez a prática jurídica sirva para que pais terminem com suas desavenças afetivas, usando os filhos como instrumento de suas desinteligências, ou que compensem de outra forma suas pobrezas emocionais, podendo ser adotadas medidas judiciais de controle prático do exercício efetivo da custódia compartilhada judicialmente imposta, como por exemplo, a determinação de periódicos estudos sociais, sob pena do descumprimento implicar a reversão da guarda que então se transmuda em unilateral. (Madaleno, Rolf. Curso de Direito de Família. 4a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.435) (sem destaques no original)
Além da reiteração do que foi anteriormente declinado, extrai-se do excerto o vislumbre de que a guarda compartilhada não é uma decisão estanque, mas um processo que perdura, enquanto perdurar a incapacidade dos filhos.

Nessa linha de pensamento, o § 4o do art. 1.584 do CC-02 autoriza o julgador a fazer, no curso da guarda compartilhada, alterações nas prerrogativas inicialmente atribuídas aos pais para preservar, em primeiro lugar, o melhor interesse do menor e, como efeito secundário, sancionar o genitor que imotivadamente altere ou descumpra uma das cláusulas da guarda compartilhada.

Em extensão desse raciocínio, se houver substancial descumprimento das cláusulas da guarda compartilhada por parte de um dos ex-cônjuges, poderá igualmente haver tão drástica redução das prerrogativas deste genitor, que se chegue ao estabelecimento de uma guarda unilateral exercida por aquele que não deu causa à inviabilização da guarda compartilhada.

Interpretação supletiva, na linha limítrofe da extensão possível dos arts. 1.583 e 1.584 do CC-02, também aponta para a fixação inicial da guarda unilateral, quando frustrada, irremediavelmente, toda e qualquer tentativa de estabelecimento da guarda compartilhada por intolerância de um dos genitores, favorecendo-se, por óbvio, ao outro genitor.

Porém, frisa-se uma vez mais: essas situações extremas não serão a regra, pois deverá ser dada prevalência à guarda compartilhada.

7. Nota-se, a partir da reprodução do posicionamento já firmado por esta Turma, que a vedação do Tribunal de origem quanto à apreciação das condições para a implementação da guarda compartilhada, tão somente por
inexistir consenso, ofende o comando estatuído no art. 1584, § 2o, do CC-02.

08. Na hipótese, não há elementos que infirmem, de per se, a impossibilidade da incidência da guarda compartilhada, mas ao revés, vê-se, que os genitores moram em cidade do interior do Estado do Rio Grande do Sul – Bento Gonçalves – fato que, ao menos em termos de deslocamento, não gerará maiores impactos na rotina do menor, que continuará frequentando, independentemente de quem esteja exercendo a custódia física em determinado momento, a mesma escola, tendo as mesmas referências sociais e, o mais relevante, recebendo carinho e atenção de ambos os genitores.

09. O menor é um menino com 06 – seis – anos de idade e o pai, busca estreitar o contato com ele em período sabidamente sensível na formação da personalidade da criança. Difícil, nessas condições, entender-se e justificar-se a vedação ao pleito, tão somente por negativa materna, mormente quando inúmeras vezes se julga e se reprime a incúria, o abandono e mesmo o mal trato
perpetrado por tantos pais.

10. Como dito anteriormente, é hora de se começar o influxo nessa postura menos comprometida com os interesses do menor e mas ligada à comodidade de todos os envolvimentos, menos a criança – principal agredido pela guarda singular – e o genitor que quer estar mais tempo ao lado de seu filho, contribuir, ajudar e acompanhar o crescimento de sua prole.

11. Albergar, de outra banda, os interesses manifestamente egoístas do ascendente que exige a guarda singular da prole, é negar o direito do menor.

12. Se há, e na espécie não se apontou nenhuma, nódoa no comportamento do outro ascendente, essa questão deve ser brandida no curso do regular processo de guarda, dando-se as partes o direito de provar a existência de empeço insuperável à guarda compartilhada, decorrente de condições sociais, geográficas, ou pessoais de um dos genitores, nunca se afastar a guarda compartilhada por falta de consenso.

13. Não há, norma ou regramento, estudos sociopsicológicos ou experiência reiterada, que infirme de plano a competência de ambos os genitores para dividirem o cuidado e criação de seus filhos, antes pelo contrário, tudo aponta, para o proveito dessa medida para o maior interessado, a criança, sendo a mantença da guarda singular, mera ação de inércia social com a qual não pode compactuar o Estado.

14. Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para, reformando o acórdão, considerar possível a implementação da guarda compartilhada, mesmo na ausência de consenso entre os pais, para determinar nova manifestação do Tribunal de origem, porque superado o pré-requisito fixado, de necessário consenso dos genitores, razão pela qual deverá ser produzida exaustiva avaliação técnica e estudos psicossociais necessários para determinar a possibilidade, fórmulas e procedimentos necessários à guarda compartilhada do menor.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):
Sr. Presidente, acompanho integralmente o voto da ministra Nancy Andrighi e dou provimento ao recurso especial.

Número Registro: 2013/0376172-9
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.428.596 / RS



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