(Veja no rodapé links para acesso a outras jurisprudências, artigos científicos e doutrinas jurídicas acerca do tema - O entendimento desta jurisprudência do STJ vem sendo repetida por este mesmo tribunal superior, conforme novas jurisprudências de 2013 e 2014. Confira nos links.)
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Guarda Compartilhada.
Litígio, beligerância, ausência de bom relacionamento.
Quando não houver acordo entre os pais, a Guarda Compartilhada pode ser decretada em juízo, pois é o interesse do menor que deve ser observado e não a beligerância entre as partes.
A guarda compartilhada deve ser tida como regra. Porém, a custódia físcia conjunta deve ser aplicada quando for possível:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.000 - MG (2011/0084897-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : R R F
ADVOGADO : LUIZ FERNANDO VALLADÃO NOGUEIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : A M P J DE S
ADVOGADO : GLEICYANE C P J SANDANHA
INTERES. : R R J
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E
PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA.
CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO
MENOR. POSSIBILIDADE.
1. Ausente qualquer um dos vícios assinalados no art. 535 do CPC, inviável a
alegada violação de dispositivo de lei.
2. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos,
pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que
caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero
dos pais.
3. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar
entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e
adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação,
do ideal psicológico de duplo referencial.
4. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do
distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças
existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda
compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso.
5. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria
prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se
inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a
proteção da prole.
6. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de
convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é
medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que
não se faça do texto legal, letra morta.
7. A custódia física conjunta é o ideal a ser buscado na fixação da guarda
compartilhada, porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela implementação de condições propícias à continuidade da existência de fontes bifrontais de exercício do Poder Familiar.
8. A fixação de um lapso temporal qualquer, em que a custódia física ficará com
um dos pais, permite que a mesma rotina do filho seja vivenciada à luz do contato
materno e paterno, além de habilitar a criança a ter uma visão tridimensional da
realidade, apurada a partir da síntese dessas isoladas experiências interativas.
9. O estabelecimento da custódia física conjunta, sujeita-se, contudo, à possibilidade prática de sua implementação, devendo ser observada as peculiaridades fáticas que envolvem pais e filho, como a localização das residências, capacidade financeira das partes, disponibilidade de tempo e rotinas do menor, além de outras circunstâncias que devem ser observadas.
10. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta - sempre que possível - como sua efetiva expressão.
11. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os
Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade,
negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a).
Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo
de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra
Relatora.
Brasília (DF), 23 de agosto de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.000 - MG (2011/0084897-5)
(f)
RECORRENTE : R R F
ADVOGADO : LUIZ FERNANDO VALLADÃO NOGUEIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : A M P J DE S
ADVOGADO : GLEICYANE C P J SANDANHA
INTERES. : R R J
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto por R.R.F.,
com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF, contra acórdão proferido
pelo TJ/MG.
Ação: de
guarda, com pedido liminar, ajuizada pelo recorrente em desfavor de A.M.P.J. de
S., pela qual busca a guarda do filho comum.
Narra o autor que, após tentativa da recorrida de
levar o filho para morar em outra cidade, decidiu pedir a guarda do menor,
tanto para manter incólume a situação de R.R.J., quanto por apresentar melhores
condições de criar o filho, do que a genitora desse.
Decisão: em 25.08.06, o i. Juiz deferiu o pedido liminar de guarda provisória.
Decisão: em 14/09/06, foi deferido pedido de visitas formulado por A.M.P.J. de
S., para que esta tenha o filho – R.R.J. – em sua companhia, aos finais de
semana, até o julgamento da ação de guarda (fl. 172).
Parecer do MP do Estado de Minas Gerais: pela fixação da guarda do menor, de
forma compartilhada, igualitariamente, pelos genitores (fls. 331/335).
Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido, deferindo a guarda
compartilhada de R.R.J. (fls. 336/348).
Decisão em Embargos de declaração: acolheu os embargos de declaração para
determinar que a criança fique, alternadamente, com os pais nos finais de
semana, feriados e férias escolares e, durante as semanas, também de forma
alternada, por quatro dias com um dos genitores e três com o outro.
Acórdão: o TJ/MG negou provimento à apelação interposta pelo recorrente, mantendo
a guarda compartilhada fixada pelo i. Juiz e também preservando os períodos em
que o menor passará com cada um dos genitores, nos termos da seguinte ementa:
GUARDA – PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO – DEFERIMENTO
DA GUARDA COMPARTILHADA – APELO – INEXISTÊNCIA DE MOTIVOS QUE JUSTIFIQUEM A
MODIFICAÇÃO DA GUARDA DEFERIDA – GARANTIA DO MELHOR INTERESSE DO
MENOR – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA HOSTILIZADA. (fl. 450, STJ).
Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente, foram rejeitados (fl.
467, STJ).
Recurso especial: alega violação dos arts. 535 do CPC; 1.583 e 1.584
do Código Civil de 2002, bem como divergência jurisprudencial. Sustenta, além
da ocorrência de omissão do acórdão recorrido, que a guarda compartilhada só
deve ser deferida quando houver relacionamento cordato entre os pais. Aduz,
ainda, que a fórmula adotada pelo Juízo de 1º grau, e ratificada pelo Tribunal
de origem, quanto à permanência do menor, alternadamente na casa dos pais,
mesmo durante a semana, caracteriza guarda alternada, que é repudiada pela
doutrina, pelos efeitos deletérios que tem sobre a psique da criança.
Juízo prévio de admissibilidade: sem a apresentação de contrarrazões, o
TJ/MG negou seguimento ao recurso especial (fls. 503/504, STJ).
Parecer do MPF: de lavra do Subprocurador-Geral da República Antônio
Fonseca, pelo não conhecimento do recurso especial. (fls. 523/530, STJ).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.000 - MG (2011/0084897-5)
(f)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : R R F
ADVOGADO : LUIZ FERNANDO VALLADÃO NOGUEIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : A M P J DE S
ADVOGADO : GLEICYANE C P J SANDANHA
INTERES. : R R J
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
VOTO
Sintetiza-se a lide, além do debate relativo à omissão
existente no acórdão recorrido, em determinar, sucessivamente:
i - se a guarda compartilhada pode ser fixada, mesmo
não havendo
consenso entre os pais;
ii - se é viável a determinação de que o menor
permaneça alternadamente com os pais, mesmo durante a semana.
I . Da violação do art. 535 do CPC.
O recorrente, quanto à violação do art. 535 do CPC,
afirmou que o Tribunal de origem tangenciou o pedido sucessivo, feito em
apelação de que, se fosse mantida a guarda compartilhada de R.R.J., a presença
do menor com a mãe deveria se restringir aos finais de semana, de maneira
alternada. Nota-se, porém, apesar da ausência de expressa manifestação do Tribunal
de origem quanto ao tema, que a manutenção da sentença, também no que toca a
alternância da presença do menor na casa dos pais, representou, por óbvio, a
rejeição do pleito deduzido por R.R.J.
E foi essa a exata manifestação do TJ/MG, na
apreciação dos embargos de declaração interpostos na origem, contra o acórdão
do julgamento de apelação:
Como se vê, não houve contradição alguma.
Apenas não foi acolhida a tese recursal do embargante. O acórdão foi claro ao
esclarecer que a forma do compartilhamento fixada na sentença atende aos
interesses do menor e, por isso, deve ser mantida. (fl. 471, STJ).
Assim, ausente qualquer um dos vícios assinalados no
art. 535 do CPC, inviável a alegada violação de dispositivo de lei.
2. Do prequestionamento e do dissídio jurisprudencial.
Conquanto não se verifique manifestação expressa, no
acórdão recorrido, dos artigos 1.583 e 1.584 do CC-02, apontados como violados
no recurso especial, supera-se a questão, tanto por remeter o debate travado na
origem aos referidos dispositivos de lei, que regulam, no Código Civil, a
guarda compartilhada, como também por apresentarem os julgados apontados como paradigma,
similaridade com a hipótese dos autos, e entendimento diverso daquele
preconizado pelo Tribunal de origem.
3. Da necessidade de consenso para a aplicação da
guarda
compartilhada (violação dos arts. 1.583 e 1.584 e
dissídio jurisprudencial).
A guarda compartilhada – instituto introduzido na
legislação brasileira apenas em 2008 –, pela sua novidade e pela complexidade
que traz em sua aplicação, tem gerado inúmeras indagações, sendo a necessidade
de consenso uma das mais instigantes, opondo doutrinadores que versam de
maneira diversa sobre o tema e também a jurisprudência, ainda não pacificada
quanto à matéria.
Como já tenho afirmado em outros julgamentos, os
direitos assegurados aos pais em relação aos seus filhos são na verdade
outorgas legais que têm por objetivo a proteção à criança e ao adolescente e
são limitados, em sua extensão, ao melhor interesse do menor.
Corrobora o raciocínio a afirmação de Tânia da Silva
Pereira e Natália Soares Franco no sentido de que:
A vulnerabilidade dos filhos deve ser
atendida no intuito de protegê-los. Afastada a ideia de um direito potestativo,
o poder familiar representa, antes de tudo, um conjunto de responsabilidades,
sem afastar os direitos pertinentes. Assim é que, atender o melhor interesse
dos filhos está muito além dos ditames legais quanto ao estrito exercício do
poder familiar. (Delgado, Mário e Coltro,
Matia – Coordenadores. Guarda
Compartilhada, Rio de Janeiro: Forense, 2009, in: O Direito Fundamental à Convivência Familiar e a Guarda Compartilhada
- Pereira, Tânia da Silva e Franco, Natália Soares, pag. 357).
Foi na busca dessa plena proteção do melhor interesse
dos filhos que se positivou, no Direito nacional, a guarda compartilhada, pois
esta reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual,
em que cada vez mais ficam apenas na lembrança as rígidas divisões de papéis
sociais definidas pelo gênero dos pais.
Sob a égide dessa antiga estratificação social,
cunhou-se a tese de que o melhor interesse da criança, no mais das vezes,
traduzia-se pelo deferimento da guarda à mãe, no caso de separação.
Com base nessa presunção, já no ano de 1839, o
Parlamento Britânico aprovou o chamado Custody of Infants Act, que
oficializava a tese de que seria melhor para as crianças, com idade inferior a
07 anos, ficarem com a mãe, no caso de separação dos pais.
3.1. Da guarda compartilhada como o ideal de relacionamento
parental, pós-separação.
Ultrapassando essa visão estanque das relações de
parentalidade, o art. art. 1.583, § 1º, in fine, do CC-02 definiu a
guarda compartilhada como sendo “a responsabilização conjunta e o exercício de
direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes
ao poder familiar dos filhos comuns”.
Com essa definição, deu-se ênfase ao exercício do
Poder Familiar de forma conjunta, mesmo após o fim do casamento ou da união
estável, porque, embora cediço que a separação ou divórcio não fragilizavam,
legalmente, o exercício do Poder Familiar, na prática, a guarda unilateral se
incumbia dessa tarefa.
A errônea consciência coletiva que confundia guarda
com o Poder Familiar, atribuindo a quem detinha a guarda o exercício uno do
Poder Familiar, teve como consequência mais visível o fenômeno denominado Sunday
dads – pais de domingo.
Nessa circunstância, o genitor que não detém a guarda –
usualmente o pai – tende a não exercer os demais atributos do Poder Familiar,
distanciando-se de sua prole e privando-a de importante referencial para a sua
formação.
Com a custódia física concentrada nas mãos de apenas
um dos pais e a convivência do outro com a prole, apenas quinzenalmente, ou
mesmo semanalmente, o ex-cônjuge que não detém a guarda, quando muito,
limita-se a um exercício de fiscalização frouxo e, de regra, inócuo.
Os filhos da separação e do divórcio foram, e ainda
continuam sendo, no mais das vezes, órfãos de pai (ou mãe) vivo (a), onde até
mesmo o termo estabelecido para os dias de convívio – visita – demonstra o
distanciamento sistemático daquele que não detinha, ou detém, a guarda.
A guarda compartilhada, apesar de tecnicamente não se
traduzir em uma sensível alteração legal, dado que a interpretação sistemática
das disposições relativas à guarda dos filhos já possibilitaria a sua
aplicação, teve a virtude, para além de fixar o Poder Familiar de forma
conjunta como regra, extirpar o ranço cultural que ainda informava a criação
dos filhos no pós-casamento ou pós-união estável.
A partir do momento em que essa visão social se
alterou para comportar, e também exigir, uma participação paterna mais ativa na
criação dos filhos, geraram-se condições para que a nova disposição legal, mais
consentânea com a realidade social de igualdade entre os gêneros, reavivasse o
que está preconizado quanto a inalterabilidade das relações entre pais e
filhos, após a separação, divórcio ou dissolução da união estável, prevista no
art. 1.632 do CC-02.
Vem dessa linha de ideias a nova métrica para as
relações de parentalidade pós-casamentos ou uniões estáveis: o Poder Familiar,
também nessas circunstâncias, deve ser exercido, nos limites de sua
possibilidade, por ambos os genitores.
Infere-se dessa premissa a primazia da guarda
compartilhada sobre a unilateral.
Nesse sentido a afirmação de Belmiro Pedro Welter:
(...) com a adoção da principiologia constitucional, a
regra é de que se presume, juris tantum , a guarda compartilhada, em vista
da necessidade da convivência e do compartilhamento do filho com o pai e a mãe.
É dizer, como a regra é a guarda compartilhada, a guarda unilateral passa a ser
a exceção (...)
(op. cit. p.64).
Conclui-se, assim, que a guarda compartilhada é o
ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo
que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que
seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de
duplo referencial.
3.2 – Da necessidade de consenso para a atribuição da
guarda compartilhada.
Contudo, a fixação do ideal não solve a questão,
mormente quando a implementação do comando legal pressupõe ações proativas dos
atores envolvidos, principalmente dos pais, ou ainda, quando se discute algum pré-requisito
necessário à consecução da nova forma de pensar ou agir.
A inflexão em um determinado comportamento exige
cautela, tanto por se estar abandonando padrões já testados, que embora tenham
vícios, são conhecidos, como também por exigir fórmulas inéditas, não
avalizadas pelo tempo, nem tampouco aferidas quanto à sua eficácia.
O consenso, como pré-requisito para a implementação da
guarda compartilhada, é um dos elementos que se encontram em zona gris, pois o desejável
é que ambos os genitores se empenhem na consecução dessa nova forma de se ver
as relações entre pais e filhos, pós-separação.
Esse esforço é muito importante para o sucesso da
guarda compartilhada, pois necessitam, os ex-cônjuges, tratarem desde as linhas
mestras da educação e cuidado dos filhos comuns até pequenos problemas do
cotidiano da prole.
Contudo, a separação ou o divórcio usualmente
coincidem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior
evidenciação das diferenças existentes, fatores que, por óbvio, conspiram para
apagar qualquer rastro de consensualidade entre o casal.
Com base nessa, aparente, incongruência, muitos
autores e mesmo algumas decisões judiciais alçam o consenso à condição de
pressuposto sine qua non para a guarda compartilhada.
No entanto, esse posicionamento merece avaliação
ponderada.
Não se pode perder de foco o melhor interesse do menor
– princípio que norteia as relações envolvendo os filhos –, nem tampouco a sua
aplicação à tese de que a guarda compartilhada deve ser a regra.
Sob esse prisma, é questionável a afirmação de que a
litigiosidade entre os pais impede a fixação da guarda compartilhada, porquanto
se ignora toda a estruturação teórica, prática e legal que apontam para a
adoção da guarda compartilhada como regra.
A conclusão de inviabilidade da guarda compartilhada
por ausência de consenso faz prevalecer o exercício de uma potestade
inexistente. E diz-se inexistente, porque, como afirmado antes, o Poder
Familiar existe para a proteção da prole, e pelos interesses dessa é exercido,
não podendo, assim, ser usado para contrariar esses mesmos interesses.
Na verdade, exigir-se consenso para a guarda
compartilhada dá foco distorcido à problemática, pois se centra na existência
de litígio e se ignora a busca do melhor interesse do menor.
Para a litigiosidade entre os pais, é preciso se
buscar soluções. Novas soluções – porque novo o problema –, desde que não
inviabilizem o instituto da guarda compartilhada, nem deem a um dos genitores –
normalmente à mãe, incasu, ao
pai – poderes de vetar a realização do melhor interesse do menor.
Waldir Gisard Filho sustenta tese similar, ao afirmar
que:
Não é o litígio que impede a guarda compartilhada, mas
o empenho em litigar, que corrói gradativa e impiedosamente a possibilidade de
diálogo e que deve ser impedida, pois diante dele 'nenhuma modalidade de guarda
será adequada ou conveniente. (Grisard Filho, Waldir. Guarda Compartilhada:
um novo modelo de responsabilidade parental. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pag. 205).
Como dito anteriormente, o influxo em uma linha de
pensamento importa na adoção de novo paradigma e esse, na hipótese sob
discussão, é desvelado quando se conjuga um projeto interdisciplinar de
construção dos novos papéis parentais com os comandos legais aplicáveis à
espécie.
Com a ação interdisciplinar, prevista no art. 1.584, §
3º, do CC-02, não se busca extirpar as diferenças existentes entre o antigo
casal, mas sim, evitar impasses que inviabilizem a guarda compartilhada.
Busca-se, por essa ação interdisciplinar primeiro,
fecundar o diálogo produtivo entre os pais; segundo, evidenciar as vantagens,
para os filhos, da guarda compartilhada, terceiro: construir as linhas mestras
para o exercício do Poder Familiar de forma conjunta ou, quiçá, estabelecer-se,
de pronto, as regras básicas dessa nova convivência.
Por certo, esse procedimento preliminar demandará
intenso trabalho de todos os envolvidos para evitar a frustração do intento
perseguido, cabendo ao Estado-Juiz agir na função de verdadeiro mediador
familiar, interdisciplinar, como propõe Giselle Câmara Groeninga:
É preciso alertar que as mudanças – defendidas com a
guarda compartilhada – correm o risco de, muitas vezes, ter o destino em serem 'mudanças
para não mudar'. A guarda compartilhada deve ser acompanhada de modificações no
tratamento que o sistema dispensa aos jurisdicionados, e na
possibilidade de elaboração das separações com o
planejamento da rotina futura da família transformada. Como apontado acima, a
mediação familiar interdisciplinar pode ser via privilegiada para o
estabelecimento da comunicação. Esta é uma combinação que tem dado resultado em
diversos países. E previsto está o recurso aos profissionais técnicos e equipe interdisciplinar.
(op. cit. in: A efetividade do poder familiar, p. 163)
No entanto, mesmo diante de todo esse trabalho, não se
pode descartar a possibilidade de frustração na implementação da guarda compartilhada,
de forma harmoniosa, pela intransigência de um ou de ambos os pais.
Porém, ainda assim, ela deverá ser o procedimento
primariamente perseguido, mesmo que demande a imposição estatal no seu
estabelecimento, como se lê no § 2º do referido artigo de lei: “Quando não
houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada,
sempre que possível, a guarda compartilhada”.
A drástica fórmula de imposição judicial das
atribuições de cada um dos pais e o período de convivência da criança sob
guarda compartilhada, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa
nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta.
Calha citar aqui a reflexão de Rolf Madaleno, que
embora defenda a inviabilidade da guarda compartilhada em caso de “inconciliáveis
desavenças entre os pais”, mitiga sua afirmação argumentando que:
Talvez tenhamos que começar a olhar com mais atenção
para os países de sangue frio, nos quais a guarda compartilhada é imposta
independentemente da resistência ou contrariedade da concordância do outro
genitor, no comum das vezes representado pela mãe, que vê no pai inimigo e
coloca toda sorte de obstáculos para o estabelecimento de uma custódia
repartida da prole. A continuidade do convívio da criança com ambos os pais
é indispensável para o saudável desenvolvimento psicoemocional da criança,
constituindo-se a guarda responsável em um direito fundamental dos filhos
menores e incapazes, que não pode ficar ao livre , insano e injustificado
arbítrio de pais disfuncionais. A súbita e indesejada perda do convívio com os filhos não pode depender
exclusivamente da decisão ou do conforto psicológico do genitor guardião,
deslembrado-se que qualquer modalidade de guarda tem como escopo o interesse dos filhos e não o conforto ou a satisfação
de um dos pias que fica com este poderoso poder de veto.
Talvez seja o momento de se recolher os bons exemplos
de uma guarda compartilhada compulsória, para que se comece a vencer obstáculos
e resistências abusivas, muito próprias de alguma preconceituosa pobreza mental
e moral, e ao impor judicialmente a custódia compartida, talvez a prática
jurídica sirva para que pais terminem com suas desavenças afetivas, usando os
filhos como instrumento de suas desinteligências, ou que compensem de outra
forma suas pobrezas emocionais, podendo ser adotadas medidas judiciais de
controle prático do exercício efetivo da custódia compartilhada
judicialmente imposta, como por exemplo, a determinação de periódicos estudos
sociais, sob pena do descumprimento implicar a reversão da guarda que então se
transmuda em unilateral. (Madaleno, Rolf. Curso de Direito de Família.
4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.435) (sem destaques no original)
Além da reiteração do que foi anteriormente declinado,
extrai-se do excerto o vislumbre de que a guarda compartilhada não é uma
decisão estanque, mas um processo que perdura, enquanto perdurar a incapacidade
dos filhos.
Nessa linha de pensamento, o § 4º do art. 1.584 do
CC-02 autoriza o julgador a fazer, no curso da guarda compartilhada, alterações
nas prerrogativas inicialmente atribuídas aos pais para preservar, em primeiro
lugar, o melhor interesse do menor e, como efeito secundário, sancionar o
genitor que imotivadamente altere ou descumpra uma das cláusulas da guarda
compartilhada.
Em extensão desse raciocínio, se houver substancial
descumprimento das cláusulas da guarda compartilhada por parte de um dos
ex-cônjuges, poderá igualmente haver tão drástica redução das prerrogativas
deste genitor, que se chegue ao estabelecimento de uma guarda unilateral
exercida por aquele que não deu causa à inviabilização da guarda compartilhada.
Interpretação supletiva, na linha limítrofe da
extensão possível dos arts. 1.583 e 1.584 do CC-02, também aponta para a
fixação inicial da guarda unilateral, quando frustrada, irremediavelmente, toda
e qualquer tentativa de estabelecimento da guarda compartilhada por
intolerância de um dos genitores, favorecendo-se, por óbvio, ao outro genitor.
Porém, frisa-se uma vez mais: essas situações extremas
não serão a regra, pois deverá ser dada prevalência à guarda compartilhada.
Centrada nessas ponderações, concluo que o Tribunal de
origem, quando manteve a sentença que fixou a guarda compartilhada, laborou com
acerto, pois claramente interpretou os dispositivos legais tidos por violados
de forma sistemática e congruente com o princípio do melhor interesse da
criança, afastando a necessidade de consenso entre os pais, para a sua
implementação.
4 – Da alternância do menor entre as residências dos
pais
Fixada a possibilidade de guarda compartilhada, mesmo
na ausência de consenso entre os pais, impõe-se a apreciação do pedido
sucessivo declinado no recurso especial, que se volta para a inviabilidade da
alternância da criança entre as residências dos pais.
Rememorando a controvérsia, pinça-se da sentença, que
foi integralmente ratificada pelo acórdão recorrido, a fórmula adotada para a
moradia do infante:
Quanto aos dias que cada qual deverá ficar com a
criança deverá imperar o bom senso dos pais levando-se com conta os interesses
da própria criança, aliás, como já decidido.
De qualquer forma, entendo que cada um dos pais deverá
ter a criança, DE FORMA ALTERNADA aos sábados, domingos e feriados. Nos dias da
semana o pai poderá ficar com a criança por quatro dias na primeira semana e a
mãe por três, TAMBÉM DE FORMA ALTERNADA, quando a mãe, na próxima semana ficará
com a criança por quatro e o pai por 3 e assim sucessivamente.
Idem com relação às festas de fim de ano, QUANDO
DEVERÁ SER TAMBÉM DE FORMA ALTERNADA: Um ficará no Natal e o outro na Confraternização
Universal (primeiro dia do ano).
Cada um terá a criança em sua companhia por 15 dias
nas férias escolares de meio e fim de ano, TAMBÉM ALTERNADAMENTE. (fls.
370/371, STJ – com destaques no original)
O argumento básico do recorrente, quanto ao ponto, é o
de que a guarda compartilhada não importa na determinação de que haja
alternância física da criança e que a manutenção da sentença da forma como
fixada caracteriza a guarda alternada, situação repudiada pela doutrina e pela
jurisprudência.
Quanto ao tema, repisa-se, por primeiro, que o término
da relação conjugal não importa, necessariamente, no igual fim da
parentalidade, como bem expresso no art. 1.632 do CC-02:
A separação judicial, o divórcio e a dissolução da
união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao
direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.
Vê-se do texto legal, com clareza, que não é o Poder
Familiar extirpado de nenhum de seus atributos, salvo a guarda física, nos
casos de guarda unilateral (o artigo é anterior à Lei 11.698/2008 que
introduziu a guarda compartilhada).
Elucidativa a divisão que se faz nos Estados Unidos,
onde se cindem de maneira clara os atributos, do que denominamos Poder Familiar,
em custódia física – Physical Custody – e custódia legal – Legal
Custody –, firmando ainda que esses tipos de custódia podem ser exercidos
de forma única – Sole Custody –, ou conjunta – Joint Custody ou
Shared Custody . (Informação disponível em: http://www.nolo.com/legal-encyclopedia/types-of-child-custody-29667.html
ou ctionary.com/joint+custody).
Adotando os termos pela sua clareza, é precisa a ideia
de que a guarda compartilhada inclui não só a custódia legal, mas também a
custódia física, tanto por não haver restrições, no texto de lei quanto ao
exercício do Poder Familiar na guarda compartilhada, quanto pela inviabilidade
de se compartilhar apenas a custódia legal da criança.
Para essa situação, não haveria a necessidade de se
inovar a legislação, pois a guarda unilateral já existente separa a custódia
física – exercida por apenas um dos pais – da custódia legal, que já era, sob o
regime anterior, ao menos em tese, compartilhada.
Na verdade, a força transformadora dessa inovação
legal está justamente no compartilhamento da custódia física, por meio da qual
ambos os pais interferem no cotidiano do filho.
Quebra-se, assim, a monoparentalidade na criação dos
filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela
implementação de condições propícias à continuidade da existência de fontes
bifrontais de exercício do Poder Familiar.
É na síntese, que na dialética hegeliana se traduz na
criação de nova proposição a partir da fusão de uma tese e de uma antítese, que
está o ideal de formação dos filhos. Daí advém o substrato lógico do grupo
familiar. Daí também provém o respaldo à guarda compartilhada.
A formação da nova personalidade, em boa parte, é
fruto dessa fusão de posicionamento e posturas distintas, que são combinadas na
mente da criança, em composição solo, na qual conserva o que entende ser o
melhor de cada um dos pais e alija o que reputa como falha.
A ausência de compartilhamento da custódia física
esvazia o processo, dando à criança visão unilateral da vida, dos valores
aplicáveis, das regras de conduta e todas as demais facetas do aprendizado
social.
Dessa forma, a custódia física não é um elemento
importante na guarda compartilhada, mas a própria essência do comando legal,
que deverá ser implementada nos limites possíveis permitidos pelas
circunstâncias fáticas.
De se ressaltar, ainda, que a custódia física
conjunta, preconizada na guarda compartilhada, em muito se diferencia da guarda
alternada.
Na guarda alternada, a criança fica em um período de
tempo – semana, mês, semestre ou ano – sob a guarda de um dos pais que detém e
exerce, durante o respectivo período, o Poder Familiar de forma exclusiva.
A fórmula é repudiada tanto pela doutrina quanto pela
jurisprudência, pois representa verdadeiro retrocesso, mesmo em relação à
guarda unilateral, tanto por gerar alto grau de instabilidade nos filhos - ao
fixar as referências de autoridade e regras de conduta em lapsos temporais
estanques - como também por privar o genitor que não detém a guarda de qualquer
controle sobre o processo de criação de seu filho.
A guarda compartilhada, com o exercício conjunto da
custódia física, ao revés, é processo integrativo, que dá à criança a
possibilidade de conviver com ambos os pais, ao mesmo tempo em que preconiza a
interação deles no processo de criação.
O estabelecimento de um lapso temporal qualquer, onde
a custódia física ficará com um deles, não fragiliza esse Norte, antes pelo
contrário, por permitir que a mesma rotina do filho seja vivenciada à luz do
contato materno e, em outro momento, do contato paterno, habilita a criança a
ter uma visão tridimensional da realidade, apurada a partir da síntese dessas
isoladas experiências interativas.
É de se frisar que isso só será conseguido se o Poder
Familiar, na sua faceta de coordenação e controle da vida dos filhos, for
exercido de forma harmônica, sendo esse o desafio inicialmente colocado.
In casu, a fixação da custódia física em períodos de dias alternados primeiro
observou as peculiaridades fáticas que envolviam pais e filho, como a localização
de residências, capacidade financeira das partes, disponibilidade de tempo e
rotinas do menor.
Posteriormente, decidiu-se pela viabilidade dessa
custódia física conjunta e a sua forma de implementação.
Quanto à formula adotada, apenas diz-se que não há
fórmulas, pois tantos arranjos se farão necessários quantos forem os casos de
fixação de guarda compartilhada, observando-se os elementos citados e outros
mais, que na prudente percepção do julgador, devam ser avaliados.
Contudo, reputa-se como princípios inafastáveis a adoção
da guarda compartilhada como regra, e a custódia física conjunta como sua
efetiva expressão.
Dessa maneira, não prospera igualmente o pleito do
recorrente quanto à inviabilidade de fixação de lapsos temporais de convívio
alternados.
Ademais, rever os critérios utilizados para se fixar o
período em que a criança deverá ficar com cada um dos pais importa no reexame
de matéria fática, inviável na estreita via do recurso especial.
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso
especial.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO
TERCEIRA
TURMA
Número
Registro: 2011/0084897-5 REsp 1.251.000 / MG
Números Origem: 6213519 10378060213519003 1287248
378060213519
PAUTA: 18/08/2011 JULGADO: 18/08/2011
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : R R F
ADVOGADO : LUIZ FERNANDO VALLADÃO NOGUEIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : A M P J DE S
ADVOGADO : GLEICYANE C P J SANDANHA
INTERES. : R R J
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de
Parentesco - Guarda
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em
epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO
TERCEIRA
TURMA
Número
Registro: 2011/0084897-5 REsp 1.251.000 / MG
Números Origem: 6213519 10378060213519003 1287248
378060213519
PAUTA: 18/08/2011 JULGADO: 23/08/2011
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MARCELO ANTONIO CEARÁ SERRA AZUL
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : R R F
ADVOGADO : LUIZ FERNANDO VALLADÃO NOGUEIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : A M P J DE S
ADVOGADO : GLEICYANE C P J SANDANHA
INTERES. : R R J
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de
Parentesco - Guarda
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em
epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos
termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami
Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
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